O desatino de viajar 200 km para fazer faculdade
Crédito: Estadão Conteúdo
"Não foi um acidente que matou 18 estudantes, foi o Brasil. O Brasil que faz estudantes se deslocarem quilômetros para estudar, que tem estradas precárias e sem sinalização, que libera ônibus sem condições de transportar passageiros".
É do publicitário Sérgio Godoy esta perfeita definição das causas da tragédia que matou estudantes universitários da Estância Balneária de São Sebastião, cidade de mais de 80 mil habitantes, no litoral norte de São Paulo.
Para poder cursar uma faculdade, 250 jovens da cidade lotam todos os dias seis ônibus que os levam até a distante Mogi das Cruzes, uma viagem de mais de 200 quilômetros. Para 18 deles, o sonho do diploma acabou esta semana numa curva da estrada Mogi-Bertioga, quando voltavam para casa.
Enquanto discutem se a culpa foi do motorista ou de uma falha técnica do veículo, ninguém se lembra de perguntar quem é o responsável pelo desatino de obrigar nossos jovens a percorrer uma distância tão grande diariamente para ter um direito que deveria ser assegurado a todos, sem ter que correr tantos riscos.
São Sebastião não é uma cidade pobre. Ao contrário, o orçamento municipal do ano passado ultrapassou os R$ 700 milhões. A cidade é um importante polo portuário, que abriga o maior terminal de petróleo da Transpetro, a empresa da Petrobras que ganhou manchetes nas últimas semanas pela corrupção denunciada na Operação Lava Jato.
Será que não haveria recursos para que seus estudantes pudessem cursar uma faculdade mais perto de suas casas?
Frequento esta histórica cidade fundada em 1686, que ainda preserva seu casario colonial, há mais de 40 anos. Por vezes sem conta, desci para o litoral norte por esta rota alternativa, uma estrada perigosa e precária, construída pela prefeitura de Mogi das Cruzes, para fugir dos congestionamentos da Imigrantes e da Tamoios. No trecho de serra onde os estudantes morreram, minha filha mais velha já sofreu um grave acidente com meus netos dentro do carro.
Os perigos não estão só lá, mas também na Rio-Santos, na estreita faixa de terra entre a montanha e o mar, que liga a estrada a São Sebastião, passando por várias serras e pelas praias onde moravam os estudantes que estavam no ônibus. É uma verdadeira gincana para ultrapassar as lombadas que pipocam pelos trechos urbanos, com belas casas à beira mar e favelas subindo pelos morros, sem qualquer controle. Em épocas de chuva e neblina, como agora, a travessia fica ainda mais perigosa e os deslizamentos de terra das encostas são constantes.
Pode-se dizer que os jovens de São Sebastião obrigados a estudar em Mogi das Cruzes, assim como milhares de outros pelo país inteiro que fazem as mesmas jornadas para se formar, quando recebem seus diplomas, mais do que vencedores, podem-se considerar, acima de tudo, sobreviventes.
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